Fragmentos: Dentro da noite veloz - Ferreira Gullar

A vida muda como a cor dos frutos lentamente e para sempre. A vida muda como a flor em fruto velozmente.
A vida muda como a água em folhas o sonho em luz elétrica a rosa desembrulha do carbono o pássaro da boca mas quando for tempo.
E é tempo todo o tempo mas não basta um século para fazer a pétala que um só minuto faz ou não mas a vida muda a vida muda o morto em multidão.


30 de jul. de 2008

Organização do crime

RUY CASTRO
Excedente de caixa

Há pouco tempo, alguém mais esperto dentro do crime organizado olhou em volta e descobriu que, se quisesse de fato fazer jus ao nome, o crime deveria tomar providências e deixar de ser um bando de pés-de-chinelo que só se sustentava pela omissão e incompetência do poder público.

Uma constatação foi a de que, mesmo com os pesados investimentos em armas e manutenção, o crime tem sempre excedente de caixa, por não precisar gastar dinheiro com itens que flagelam outros setores. Por exemplo, a frase de Benjamin Franklin (1706-1790), de que só há duas coisas inevitáveis: morte e impostos. No crime, só a morte é inevitável.Pelo mesmo motivo, o gasto do crime com encargos sociais é zero: seus funcionários não têm carteira assinada, nem descontam para o instituto, porque a maioria morre antes da aposentadoria.

O crime também não tem despesas de escritório, tipo clipes, selos e papel timbrado, nem com aluguel, porque suas instalações no morro são, digamos, cedidas pela população. E gatilhos (nos dois sentidos) lhe garantem água, luz e gás. Resta o suborno a policiais, advogados, juízes, políticos e testemunhas. Isso, sim, é uma hemorragia. Ninguém sabe ao certo a dinheirama que vai nessas operações. E apenas porque, para contar com tais serviços especializados, o crime depende de terceiros. Daí que, pensou o sujeito, o crime deveria se organizar para produzir seus próprios quadros.

Uma reserva de jovens seria poupada do trabalho sujo, como a venda nas bocas-de-fumo, a campana nas encostas ou os confrontos com a polícia. Em vez disso, eles iriam estudar, formar-se em direito, galgar cargos no Judiciário, ingressar nos partidos, disputar eleições. Enfim, infiltrar-se no Sistema.Absurdo? Pois não olhe agora, mas acho que isso já começou.




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