Fragmentos: Dentro da noite veloz - Ferreira Gullar

A vida muda como a cor dos frutos lentamente e para sempre. A vida muda como a flor em fruto velozmente.
A vida muda como a água em folhas o sonho em luz elétrica a rosa desembrulha do carbono o pássaro da boca mas quando for tempo.
E é tempo todo o tempo mas não basta um século para fazer a pétala que um só minuto faz ou não mas a vida muda a vida muda o morto em multidão.


23 de set. de 2006

A Política e o Cabaré

Folha de São Paulo - 23/09/2006
LUIZ FERNANDO VIANNA

O Bataclã

Em "Gabriela, Cravo e Canela", Mundinho Falcão representa o novo, a alternativa que sai do Rio para combater os velhos barões do cacau em Ilhéus. Quando morre coronel Ramiro, chefe político local, Mundinho assume o poder sem fazer concessões: estende a mão para que o povo pobre a beije, alia-se aos coronéis, torna-se aquilo que combatia.
O retrato da velha Bahia feito por Jorge Amado não envelheceu tanto assim, descontados o figurino e alguns detalhes. Lula oferece em adoração as mãos simbolicamente cheias de Bolsa-Família enquanto beija literalmente as do coronel Jader Barbalho -que podiam ser as de Ney Suassuna e de tantos outros. Lula era, há apenas quatro anos, a imagem do novo, espelhada nas pessoas que enchiam Cinelândias, avenidas Paulistas e ruas de terra para comemorar a correção de uma história destinada a ter sempre os mesmos donos.
Hoje, Lula serve a esses donos para manter um projeto amorfo de poder, alimentado nas entranhas por Freuds, Gedimares, Valdebrans e outras figuras de identidades e funções estranhas.Mas, se a quadrilha de Collor foi desbaratada em 92, por que a de Lula resiste? É claro que a maior parte da resposta se encontra no legítimo apoio popular que ele tem, assentado sobre seu carisma, os programas de transferência de renda e alguns avanços econômicos.
Não é só. A única alternativa eleitoralmente viável é a sociedade PSDB-PFL-parte do PMDB, que produziu oito anos de iniqüidades. É a aliança dos doutores dos rincões com os coronéis da USP. Não espanta que Lula esteja na frente.Em "Gabriela", há um terreno em que cacaueiros, oposicionistas, malandros e jornalistas convivem à beira da civilidade: o bordel Bataclã. O governo Lula dá uma saudade danada da Maria Machadão.

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